23 de janeiro de 2012

Fernando Haddad se despede do MEC

Marcello Casal Jr/Agência Brasil
R7
O ministro da Educação, Fernando Haddad, se despede nesta segunda-feira (23) da pasta em evento que contará com a presença da presidente Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto. Ele deixa o ministério para se candidatar à Prefeitura de São Paulo. Seu substituto será o atual titular da pasta da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aloizio Mercadante.

Na despedida, Haddad vai anunciar a marca de 1 milhão de bolsas de estudo concedidas por meio do ProUni (Programa Universidade para Todos) como última ação à frente do MEC. Este ano, o programa que se destina a conceder bolsas integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica em instituições privadas de educação superior bateu recorde de inscritos, com 1,2 milhão de candidatos.

A cerimônia será no Palácio do Planalto, às 15h. A presidente Dilma e outros ministros devem participar, ressaltando a atuação do ministro à frente da pasta nos últimos seis anos e meio.

Por meio de nota, quando anunciou a saída do ministro, Dilma agradeceu "o empenho e a dedicação do ministro Haddad à frente de ações que estão transformando a educação brasileira" e desejou a ele "sucesso em seus projetos futuros”.

A mudança no MEC foi a primeira da reforma ministerial esperada para o início do ano. Além da saída de Haddad e a entrada de Mercadante na Educação, Dilma confirmou o presidente da Agência Espacial Brasileira, Marco Antônio Raupp, para a cadeira vaga na Ciência, Tecnologia e lnovação. Especula-se que outros quatro ministérios ainda terão seus titulares substituídos (Secretaria de Políticas para as Mulheres, Igualdade Racial, Cidades e Trabalho).

Polêmicas


Às vésperas de deixar o MEC, Fernando Haddad ainda enfrenta polêmicas sobre sua gestão. Desta vez, são as correções do Enem que afligem os mais de 4 milhões de estudantes que fizeram a prova. Elas foram colocadas em xeque depois de um erro cometido no somatório de pontos da redação de um aluno.

O estudante de São Paulo conseguiu, após entrar com um pedido na Justiça, ter a nota da redação alterada de “anulada” para 800 pontos, em uma escala que vai até mil, o que colocou em dúvida o sistema de correção do exame.

Essa foi a primeira vez que uma nota do Enem foi alterada. Depois disso, estudantes de outros Estados como Rio de Janeiro, Ceará e Minas Gerais também entraram na Justiça para pedir a revisão de suas provas.

Esta não é a primeira vez que o Enem dá dor de cabeça ao ministro. Desde 2009 o exame é alvo de críticas e responsável pelas principais crises de Haddad à frente da pasta.

O primeiro problema ocorreu em 2009, quando ladrões roubaram as provas de uma gráfica e tentaram vendê-las à imprensa. A descoberta da fraude levou ao cancelamento do Enem. A prova foi totalmente refeita e remarcada. O caso provocou um prejuízo de R$ 46 milhões aos cofres públicos.

Na ocasião, o então presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), responsável pela elaboração das provas, Reynaldo Fernandes, deixou o cargo. A marcação da segunda prova levou os estudantes a protestarem nas ruas contra a confusão - as novas datas coincidiam com alguns vestibulares - e a abstenção chegou a 1,5 milhão de inscritos.

Em 2010, houve erros na impressão das provas, perguntas repetidas e sequências erradas. Foram encontrados também problemas nas folhas de resposta. No mesmo ano, uma professora de Remanso (BA) teve acesso ao tema da redação e avisou ao marido, que depois de uma pesquisa na internet teria orientado o filho que iria fazer a prova. Como consequência, o presidente do Inep, Joaquim José Soares Neto, também deixou o cargo em janeiro de 2011.

No ano passado não foi diferente. O Enem vazou novamente, desta vez para 639 alunos do colégio Christus, em Fortaleza, que tiveram acesso a 14 questões da prova. Os itens estavam em apostila distribuída pela escola semanas antes da aplicação do Enem e vazaram da fase de pré-testes do exame, realizada na instituição de ensino em outubro de 2010.

A Justiça Federal chegou a conceder liminar anulando as questões em todas as provas, mas o governo federal conseguiu derrubar a decisão, que vale apenas para os alunos do colégio e do cursinho Christus.

A Polícia Federal indiciou um professor e um funcionário do colégio. Eles respondem pelo crime de estelionato. O MEC confirma que 14 questões que estavam na apostila foram copiadas de dois dos 32 cadernos de pré-teste do Enem aplicado no ano passado a 91 alunos da escola.

Outras crises

Haddad enfrentou outras crises além das dificuldades na realização do Enem. Ele se envolveu recentemente em duas polêmicas. Em maio do ano passado, o Ministério da Educação planejava enviar para 6.000 escolas públicas do país um kit batizado de Escola sem Homofobia, destinado a alunos e professores do ensino médio, nível em que estão estudantes com idades entre 14 e 18 anos.

O material conteria vídeos - supostamente divulgados na internet - que tratavam de forma explícita questões como transexualidade, bissexualidade e relações entre gays e lésbicas.

O material foi duramente criticado no Congresso, no qual passou a ser denominado de kit gay, sob a alegação que estimularia a prática homossexual entre os jovens dentro das escolas. Diante da polêmica, a presidente Dilma Rousseff suspendeu a produção do material e a distribuição do kit em planejamento pelo Ministério da Educação.

O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, afirmou que Dilma considerou o material inadequado e os vídeos impróprios para seus objetivos.

Ainda em maio, o ministro se viu no centro de mais uma polêmica, desta vez por causa de um livro didático distribuído pelo governo em mais de 4.000 escolas com erros intencionais de concordância, para aproximar os alunos da linguagem popular.

Entre os erros gramaticais e incorreções, havia frases como “nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe”. O ministro defendeu a publicação e reagiu contra seus críticos.

Educação básica é desafio

Para especialistas, a educação básica será o grande desafio do novo ministro, Aloizio Mercadante, à frente do MEC. Nos últimos anos, os investimentos nessa área foram pequenos comparados a outras áreas da educação, como o ensino superior, por exemplo. Segundo o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, a cada R$ 1 de arrecadação líquida no Brasil, R$ 0,60 ficam com a União. Em contrapartida, a cada R$ 1 gasto em educação, apenas R$ 0,20 são investidos pelo governo federal, que possui maior capacidade de investimento.

- Demos um primeiro passo nos últimos anos, mas ainda muito tímido na educação básica. A responsabilidade da União é executar o acesso ao ensino superior federal, mas, segundo a Constituição, ela também precisa fazer assessoria técnica e financeira a Estados e municípios na educação básica e isso não tem acontecido. Nem mesmo o piso nacional do magistério, que é um valor abaixo de R$1.200, os municípios têm capacidade financeira de pagar.

De acordo com o especialista, não houve avanços importantes nesse sentido na gestão de Haddad. Isso resultou em investimentos bem abaixo da média, segundo pesquisas internacionais. Enquanto países mais desenvolvidos gastam uma média de US$ 5.000 por ano e por aluno, no Brasil esse valor não ultrapassa US$ 1.200.

- O ministro Haddad não foi um ministro que enfrentou um problema que existe desde a época do Brasil império, que é a irresponsabilidade da União em relação à educação básica. O Haddad não teve capacidade de mudar ou de pelo menos tentar construir uma lei de responsabilidade educacional com o regime de colaboração entre governo federal, Estados e municípios.

Esse regime de colaboração, segundo Daniel Cara, resolveria problemas como de valorização do piso salarial, construção de materiais pedagógicos melhores, formas de equipar melhor as escolas, problemas de infraestrutura, além de formação continuada para os profissionais.

A especialista em Políticas Públicas em Educação, Ivanna Torres, concorda que é preciso investir mais, principalmente na educação infantil e na ampliação das creches.

- As creches são fundamentais para garantir uma infância protegida às crianças e o novo ministro terá de dar uma atenção especial a esse tema, particularmente acompanhando os municípios que acabam tendo dificuldades em critérios e contrapartidas. Nos últimos anos, várias vezes o governo federal enviou o dinheiro, mas os municípios não puderam fazer creches porque tiveram dificuldade de encontrar um terreno próprio, por exemplo.

Segundo Ivanna, os maiores avanços na gestão do ministro Fernando Haddad se deram no ensino superior, que envolvem o ProUni, o ReUni e o próprio Enem, alvo de críticas pelas falhas na execução desde 2009. Eles democratizaram o acesso às universidades e proporcionaram um maior equilíbrio entre as instituições públicas e privadas, na opinião da especialista.

- Os últimos anos foram um período de grande investimento do MEC em garantir que o acesso à educação superior fosse democratizada e isso trouxe alguns fatos concretos para jovens que não tinham perspectiva e hoje trabalham com isso.

Para Ivanna, o investimento do governo em escolas técnicas e ensino profissionalizante também pode render bons frutos, mas precisa estar aliado a outros grandes desafios: investir na educação infantil, priorizar a educação integral como sistema brasileiro de ensino e valorizar o professor com um piso salarial consolidado.

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