22 de janeiro de 2014

Quando a realidade e ficção se encontram




Por Abdon Marinho*

O município de Alto Alegre do Pindaré (MA), teve sua pacata realidade alterada nos últimos dias por um erro judiciário que parece saído de uma obra de ficção, algo bem parecido com o célebre filme de Steven Spielberg estrelado por Tom Cruise e que fez grande sucesso no ano de 2002, chamado “Minority Report – A nova lei”.

A diferença é que no filme, a divisão pré-crime, identificava um crime que iria acontecer e prendia bem antes seu autor evitando-se o crime. No caso de Alto Alegre do Pindaré a justiça entendeu de punir o prefeito pelo crime que ele poderia cometer e não cometeu. Trata-se de uma situação que vai além da ficção, como já se tornou natural por essas paragens.

O leitor deve indagar incrédulo: Como, alguém ser punido por algo que não fez? Isso não é possível.

Vamos explicar os fatos para tornar o assunto mais compreensivo.

No começo 2009 o prefeito eleito, orientado por seus advogados, baixou um decreto de emergência – como aliás, muitos outros prefeitos fizerem, praticamente todos prefeitos eleitos naquela eleição – e era compreensivo que o fizesse, uma vez que o antigo gestor não lhe deixou qualquer informação sobre a vida funcional do município, como contratos em andamentos, obras em execução, saldos bancários, leis municipais e quaisquer documentos necessários ao bom funcionamento de um município. O prefeito Atenir Marques, com 28 anos de idade, teria que começar a administração, praticamente do zero. Como de fato começou.

O Ministério Público Estadual, cioso de suas responsabilidades, entendeu que apesar do decreto trazer em suas justificativas uma série de irregularidade praticadas pela administração anterior, capazes de merecer atenção da Polícia Judiciária, do Ministério Público, do Tribunal de Contas e demais órgãos de fiscalização, não justificava a decretação da emergência.

O referido decreto, na verdade, não foi usado para nada. Não alterou a rotina administrativa do município, vez que todos os procedimentos licitatórios naqueles meses foram realizados, etc.

Apesar disso, de o decreto sequer ter sido utilizado, a juíza da comarca, embora reconhecendo esse fato na sentença, quando diz “não havendo que se falar em ressarcimento do dano por inocorrente”, condenou o prefeito Atenir Ribeiro Marques “a 05 (cinco) anos de suspensão dos direitos políticos, proibição de contratar com o Poder Público pelo mesmo prazo e pagamento de multa civil no valor correspondendo ao dobro de sua atual remuneração como Prefeito Municipal, quantia a ser revertida em prol do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos”.

Como vemos, trata-se de uma penalidade demasiada severa para alguém que, reconhecidamente, não praticou qualquer ato lesivo e danoso ao patrimônio público. O decreto, ainda que a magistrada o considerasse ilegal, e aí encontra-se um equívoco, pois o prefeito municipal, por delegação da Lei Orgânica Municipal tem essa prerrogativa, não podendo ser punido por algo que fez dentro lei. Não se pode punir a lei e sim as condutas violadoras dela.
Ora, se a própria magistrada reconhece que não houve qualquer ato lesivo, ela está punindo severamente, um cidadão que agiu dentro de suas atribuições, fazendo o que a lei lhe facultava fazer.

A sentença comete um lamentável equivoco, um erro judiciário com conseqüências danosas para toda a comunidade, mas principalmente para o cidadão punido sem culpa e sem dolo.

São tempos estranhos estes em que se bane uma pessoa da vida pública por longos anos, lhe tira o mandato conquistado legitimamente nas urnas, pela vontade popular, por algo que não fez.

Outro fato que caracteriza o processo como viciado é que o prefeito não teve defesa. Nunca chegou a constituir um advogado para a sua defesa pessoal, tanto que sua defesa foi feita por um advogado constituído pelo município.
Nos autos consta a procuração do município e não da pessoa física do prefeito. Seria a o caso da juíza intimar o Sr. Atenir para regularizar sua representação processual, e se não fizesse, no prazo determinado que lhe decretasse a revelia.

Pois bem, enquanto o prefeito não se fazia representar devidamente no processo, um outro esquecimento do judiciário tornava a situação mais surreal, a não citação do próprio município para integrar a lide.

A citação do município não era facultativa, todos os efeitos de uma condenação do prefeito seriam, como está sendo, suportada pela municipalidade. O entendimento bisonho que não havendo prejuízo ao erário não justificaria a presença do município é mais um agravante no erro judiciário ou na ficção do processo. Significa que se o prefeito tivesse usado o decreto para desviar dinheiro público e cometer toda a sorte de desatino, ele agora seria beneficiado com a nulidade do processo porque o município não fora intimado.

Entretanto, como segundo a justiça, não houve qualquer prejuízo, ele deve ser punido com os rigores da lei? Trata-se, claramente de se punir duplamente quem fez a coisa certa ou noutras palavras, não fez nada de errado.

O Maranhão é mesmo uma terra esquisita. Não lhe parece estranho que com tanta gente cometendo toda sorte de desatinos, crimes que uma vida só não daria conta para punir, vá se punir justamente o que nada fez?

A realidade judiciária por essas e outras vai muito além do que imagina nossos mais renomeados roteiristas e diretores de cinema. Acho que Steven Spielberg, com toda criatividade, não pensaria em algo assim.

*Abdon Marinho é advogado.



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